A Corrida Internacional de São Silvestre chega, em 2025, à sua centésima edição, consolidando-se como a prova de rua mais tradicional do Brasil e uma das mais conhecidas do mundo. O evento histórico será marcado não apenas pelo simbolismo do número redondo, mas também por um recorde de participação, com mais de 50 mil corredores inscritos, reunindo atletas profissionais, amadores, pessoas com deficiência e apaixonados pela corrida de rua de diversas partes do país e do exterior.
Mais do que uma competição esportiva, a São Silvestre se tornou, ao longo de um século, um verdadeiro patrimônio cultural e esportivo brasileiro, carregando histórias de superação, inclusão, emoção e inspiração que atravessam gerações.
A origem da São Silvestre: uma ideia que nasceu em Paris
A história da São Silvestre começa fora do Brasil. Em 1924, durante uma viagem a Paris, o jornalista, empresário e advogado Cásper Líbero ficou encantado ao assistir a uma corrida noturna em que os atletas corriam segurando tochas, criando um espetáculo visual vibrante e emocionante.
Inspirado pela experiência, ele decidiu trazer algo semelhante para São Paulo. A proposta era ousada para a época: criar uma corrida que acontecesse sempre no último dia do ano, aproveitando o clima festivo da virada. Assim, em 31 de dezembro de 1925, nascia a primeira edição da Corrida de São Silvestre, batizada em homenagem ao santo celebrado naquele dia.
Naquele período, o nome da prova ainda era grafado com “Y” — São Sylvestre — detalhe que hoje reforça o charme histórico do evento.
A primeira edição e os primeiros heróis
A estreia da São Silvestre contou com 60 atletas inscritos, mas apenas 48 largaram efetivamente. A largada aconteceu no Parque Trianon, na Avenida Paulista, às 23h40, um horário incomum até mesmo para os padrões atuais.
O percurso tinha 8,8 quilômetros, pelas ruas do centro paulistano, e o grande vencedor foi Alfredo Gomes, que completou a prova em 23 minutos e 19 segundos.
Além da vitória esportiva, Alfredo Gomes entrou para a história por outro motivo: ele foi o primeiro atleta negro a representar o Brasil em Jogos Olímpicos, tendo competido em Paris, em 1924. Sua vitória na primeira São Silvestre simboliza não apenas um feito esportivo, mas também um marco de representatividade em um período de grandes desigualdades sociais.
De prova nacional a evento internacional
Durante as primeiras décadas, a São Silvestre era disputada exclusivamente por atletas brasileiros. A mudança começou em 1927, quando estrangeiros residentes no Brasil passaram a ser autorizados a competir. Foi nesse contexto que o italiano Heitor Blasi, radicado em São Paulo, venceu as edições de 1927 e 1929, tornando-se o único estrangeiro campeão durante a chamada fase nacional da prova, que durou até 1944.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a corrida passou a receber atletas estrangeiros da América do Sul. Pouco depois, tornou-se definitivamente internacional, atraindo corredores de vários continentes.
Essa nova fase trouxe um longo jejum para os brasileiros: foram 34 anos sem vitórias nacionais, até que o tabu fosse quebrado em 1980.
O dia em que o Brasil voltou a vencer
O responsável por acabar com a longa espera foi o pernambucano José João da Silva, que venceu a São Silvestre em 1980, protagonizando um dos momentos mais emocionantes da história da prova.
A vitória causou comoção nacional. O público foi às lágrimas, gritou, vibrou e celebrou como se fosse uma final de Copa do Mundo. O próprio atleta relembra que não tinha dimensão do impacto daquele triunfo.
José João da Silva veio de uma infância marcada pelo trabalho duro nas roças de Pernambuco. Sua vitória não apenas devolveu o Brasil ao topo da São Silvestre, como também transformou sua vida para sempre, tornando-o um símbolo de superação e esperança.
A inclusão das mulheres e novas histórias inspiradoras
As mulheres passaram a competir oficialmente na São Silvestre apenas em 1975. A primeira campeã foi a alemã Christa Valensieck, abrindo caminho para que o evento se tornasse mais inclusivo.
Desde então, diversas atletas escreveram seus nomes na história da prova, com destaque especial para a portuguesa Rosa Mota, maior vencedora da São Silvestre, com seis títulos consecutivos no início dos anos 1980.
No Brasil, uma das histórias mais emblemáticas é a de Maria Zeferina Baldaia, campeã em 2001. Ex-boia-fria, ela começou a correr ainda criança, muitas vezes descalça, enfrentando o sol forte, o chão duro e a falta de recursos.
Inspirada ao assistir a uma edição da São Silvestre pela televisão, Zeferina sonhou em um dia estar ali. Anos depois, realizou o sonho e se tornou campeã, passando a ser referência para milhares de mulheres.
Hoje, seu nome batiza o Centro Olímpico de Sertãozinho (SP), eternizando sua trajetória e inspirando novas gerações.
Marilson Gomes dos Santos e o orgulho nacional
Entre os brasileiros, o maior vencedor da São Silvestre na era internacional é Marilson Gomes dos Santos, com três títulos conquistados em 2003, 2005 e 2010.
Marilson destaca que a energia da prova é única. Correr no último dia do ano, em casa, com milhares de pessoas acompanhando pelas ruas e pela televisão, transforma a São Silvestre em um desafio especial, considerado por muitos atletas como a “prova da vida”.
Sua trajetória também ajudou a popularizar ainda mais a corrida de rua no Brasil, incentivando milhares de pessoas a adotarem o esporte como estilo de vida.
Números históricos e maiores vencedores
Ao longo de sua história centenária, a São Silvestre acumulou marcas expressivas:
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Rosa Mota (Portugal): 6 vitórias
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Paul Tergat (Quênia): 5 vitórias
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Marilson Gomes dos Santos (Brasil): 3 vitórias
Desde que a prova se tornou internacional, em 1945, os brasileiros conquistaram 16 títulos, sendo 11 no masculino e 5 no feminino. A última vitória brasileira entre os homens foi em 2010, com Marilson, e no feminino em 2006, com Lucélia Peres.
Uma prova democrática e inclusiva
Atualmente, a São Silvestre é reconhecida por seu caráter democrático e inclusivo. A organização conta com largadas em ondas, respeitando diferentes níveis técnicos e categorias.
A prova começa com atletas PCDs e cadeirantes, seguida pela elite feminina, elite masculina e, posteriormente, os demais corredores amadores. Essa estrutura garante segurança, organização e melhor experiência para todos os participantes.
Além disso, o evento conta com a São Silvestrinha, uma edição especial voltada para crianças e adolescentes, realizada em outro dia no Centro Olímpico do Ibirapuera, reforçando o incentivo ao esporte desde cedo.
Um século de emoção e inspiração
Em 2025, a Corrida de São Silvestre não celebra apenas 100 edições, mas 100 anos de histórias, sonhos e conquistas. De uma ideia inspirada nas ruas de Paris a um dos maiores eventos esportivos do planeta, a prova se tornou símbolo de resistência, diversidade e paixão pelo esporte.
Com mais de 50 mil atletas inscritos, a centésima edição reafirma que a São Silvestre continua viva, atual e capaz de emocionar — seja para quem corre pela vitória, pela superação pessoal ou simplesmente pela alegria de cruzar a linha de chegada no último dia do ano.
Mais do que uma corrida, a São Silvestre é, há um século, uma celebração do esporte e da vida.
Autor:Joel Sychocki
